Viktor Gruska

Servidor da UFRN

Dirigente do SINTEST-RN

Militante da Frente Potiguar em Defesa do Serviço Público

  

Preâmbulo

Há mais de 3 décadas desde o início da Nova República nós, trabalhadores em educação, resistimos ao projeto neoliberal de privatização do serviço público e de mercantilização dos direitos sociais. No seu mais recente estágio, esse projeto avança por meio do chamado Novo Arcabouço Fiscal (NAF). Trata-se de um regime de austeridade econômica que dá continuidade à lógica contracionista do Teto de Gastos anteriormente definida pela Emenda Constitucional 95, vale dizer, de formação de superávit primário a partir da restrição do investimento público com o propósito de escoar a arrecadação estatal para o pagamento de juros e amortizações da dívida a banqueiros e especuladores[1].

Embora o NAF seja uma camisa de força um pouco menos apertada do que o famigerado Teto de Gastos aprovado no governo Temer, sua natureza é a mesma. Durante o tempo que permanecer em vigência, seguirá deteriorando a relação dívida pública/PIB[2] e reduzirá os investimentos públicos a um patamar inferior aos dos governos petistas anteriores e até mesmo, pasmem, dos governos FHC.

Isso porque o NAF define que o Estado somente pode aumentar seu gasto primário até o limite máximo de 2,5% daquilo que arrecadou no exercício anterior. Para se colocar essa amarra econômica em perspectiva, na melhor das hipóteses, os gastos governamentais estarão limitados a menos da metade da média dos investimentos públicos nos dois primeiros governos Lula (5,2%), e que, à época, já era insuficiente. É uma pá de cal em qualquer expectativa de reindustrialização da economia, aumento do trabalho formalizado, valorização do salário mínimo, expansão dos investimentos em pesquisa e a superação dos desafios ambientais.

O NAF, arquitetado por Haddad e Tebet buscando aplacar as preocupações dos analistas de mercado da Faria Lima e de costas para as universidades e sindicatos, preservou o estado brasileiro funcionando como um Robin Hood às avessas – que tira dos pobres para dar para os ricos. Falamos, portanto, de um regramento econômico que manteve a estrutura de espoliação e pilhagem do grande capital rentista sobre orçamento público e, ao assim proceder, contribuiu para alcançarmos o atual quadro de desigualdade de renda, onde o 1% da população do país com maior rendimento possui um rendimento médio equivalente a 40 vezes o rendimento dos 40% da população de menor renda.

E não foram poucos os parlamentares de esquerda que votaram em favor ou mantiveram o mais sepulcral silêncio diante do NAF, escondendo-se por trás da justificação de lealdade partidária (ignorando o óbvio fato de que não há lealdade partidária sem lealdade de classe). Aqueles que se calaram ou votaram no NAF, ajudaram, direta ou indiretamente, a desfinanciar os serviços públicos para acelerar o ritmo obsceno de acumulação de uma classe dominante prostituída e servil aos interesses estrangeiros. Agora comparecem em nossos atos para nos dizer que estão do nosso lado e que apoiam nossas greves – greves conduzidas precisamente contra o projeto em que votaram. Há, então, de se perguntar: onde estavam esses parlamentares quando mais precisávamos deles durante os trabalhos de aprovação do NAF?

Salvo modestos incrementos no financiamento de políticas de focalização, o NAF não comporta a reconstituição do orçamento dos órgãos públicos, a restauração e ampliação, via concurso, dos quadros permanentes de pessoal da Administração e a expansão necessária do acesso gratuito à educação, saúde e assistência social de qualidade. Pelo contrário, quanto mais tempo for aplicado, maior será a distância entre as possibilidades de investimentos públicos e as demandas crescentes da população brasileira por cuidados integrais em saúde, alimentação saudável, trabalho formal, moradia digna, mobilidade urbana sustentável, lazer, segurança e previdência social.

A luta pela valorização da carreira e defesa das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES)

Em linha com as metas de resultado primário do Novo Arcabouço Fiscal, tudo que o governo teve a nos apresentar passados mais de 2 meses de paralisação foi uma contraproposta indigna: 14,5% de reajuste salarial, implementado em duas parcelas (9% em janeiro de 2025 e 5% em abril de 2026), mantendo índice de correção zero para este ano.

Para se pôr esse valor em perspectiva, quando somadas, as projeções inflacionárias divulgadas pelo Relatório Focus do Banco Central[3], para o período de 2024 a 2026, já ultrapassam 11%. Isso significa que o valor ofertado pelo governo sequer servirá para recompor as perdas acumuladas da categoria – uma vez aceito e incorporado, será tão logo alcançado pelo aumento dos preços de bens e serviços.

Por outro lado, a despeito de acatar a lateralização da matriz com 19 padrões de vencimento, a contraproposta apresentada ignorou a demanda de redução, por aglutinação, dos atuais 5 níveis de classificação para 3, minorando também os percentuais de correlação ao nível E, estabelecidos pela FASUBRA e o SINASEFE, em 5% na classe A e 10% na C.

Além disso, o governo federal não contemplou as reivindicações dos TAE quanto ao piso de 3 salários mínimos, o aumento dos steps remuneratórios de 3,9% para 5%, a aceleração da progressão por capacitação e submeteu ao MEC a temática do Reconhecimento de Saberes e Competências (RSC) para discussão posterior, sem data definida.

De acordo com essa contraproposta, serão os seguintes os ajustes nominais nos vencimentos iniciais dos níveis de classificação:

 

Classes de capacitação Valor
PISO AI P01 R$ R$ 379,26
PISO BI P06 R$ R$ 335,17
PISO CI P11 R$ R$ 487,58
PISO DI P17 R$ R$ 514,20
PISO EI P31 R$ R$ 658,47

Os valores acima apresentados resultam da incidência de um aumento percentual irrisório sobre uma base salarial profundamente defasada. Cabe notar que 10% de reajuste para uma carreira cujo piso é 20 mil reais, representa 2 mil reais de aumento nominal. Os mesmos 10% aplicados sobre uma carreira em que o piso é de 2 mil reais, implicará, por sua vez, num ganho nominal de apenas 200 reais.

Mutilaram a proposta tecnicamente consensuada pela FASUBRA e o SINASEFE — um todo coeso, articulado, baseado tanto nos princípios que regem o PCCTAE quanto nas pautas históricas da categoria  — e nos jogaram de volta os pedaços retalhados que, segundo a avaliação da equipe econômica, caberiam dentro da camisa de força do NAF.

Todavia, enquanto afirmam que não têm dinheiro para atender nossas reivindicações, concedem ao topo do funcionalismo público federal reajustes que vão de 27% a 60%[4] – servidores que já ingressam em seus cargos recebendo vencimentos básicos superiores a 10 mil reais. O governo faz assim uma opção clara e consciente “por aqueles do andar de cima”, ampliando sobremaneira a disparidade salarial existente entre carreiras do serviço público federal.

Nos dizem também que “as negociações em curso para reestruturação de carreiras integram o esforço de reconstrução do serviço público pautado por diálogo, respeito e responsabilidade.” (grifo meu)[5]. Frente a essa afirmação, cabe interrogar: podem ser achados esses valores em algum lugar quando o governo, numa conduta autoritária, ameaça encerrar de maneira unilateral as negociações, impingindo-nos um ultimato? Paulo Freire deve estar se revirando no túmulo!

A política salarial que o MGI opera não é equânime. As carreiras da segurança, cuja a base, sabemos, apoiou em sua maioria o projeto bolsonarista, o governo escolheu comprar ou, ao menos, evitou antagonizar, por meio de vultosos reajustes. Para os servidores da educação, que votaram em peso e fizeram campanha para Lula, oferecem migalhas. O cálculo político que conduziu essa escolha é óbvio: a despeito de adotar uma postura de negociação claramente embromatória e apresentar contrapropostas rebaixadas para os servidores da educação federal, o governo aposta que, num ambiente político conflagrado, a categoria continuará a votar nele.

Isso tudo enquanto a infraestrutura das IFES segue sendo sucateada, nosso orçamento sem a devida recomposição e nossos estudantes mais vulneráveis à míngua com a insuficiência dos recursos da assistência estudantil. Como se fosse possível combater o fascismo enquanto se mantém a mesma política de austeridade fiscal com o Novo Arcabouço Fiscal que aquela adotada por Temer e Bolsonaro através do Teto de Gastos.

Na atual quadra, o governo recorre a uma estratégia divisionista e protelatória, como já observamos ocorrer em outras greves. Por um lado, partindo do pressuposto que nossa greve não conseguirá alcançar o calendário eleitoral, continua a nos cozer em banho-maria até que a greve perca força (seja pelo esvaziamento dos fundos de greve das entidades, seja pelo gradual retorno dos grevistas às suas atividades laborais em razão do cansaço e do acúmulo de horas a serem pagas). Por outro lado, marca duas mesas de negociação separadas, com 1 semana de intervalo entre elas (dia 15/05 com os docentes e 21/05 com os técnicos), numa tentativa de enfraquecer a greve desmobilizando a categoria docente através dos sindicatos governistas.

Assim procede por entender que nossa greve unificada é disruptiva do estado de coisas – uma vez que nossas pautas de reivindicações evidenciam e põem em cheque a camisa de força imposta pela adoção do regime macroeconômico neoliberal, revelam os limites da política de conciliação de classes do governo (e, em muitas disputas, da capitulação aberta), mas, principalmente, porque nossa luta se contrapõe ao projeto de uma classe dominante entreguista e parasitária que há muito busca reduzir as IFES a meras fábricas de emissão de diplomas, baseadas num modelo de ensino manualesco, apostilado, tecnicista e bancário.

Não nos deixemos esquecer que é através das nossas mãos que se constrói o projeto de ensino superior público, gratuito, de qualidade, laico, democrático e socialmente referenciado – condição imprescindível para o desenvolvimento econômico sustentável e a consolidação da soberania nacional. E esse modelo de ensino só pode existir com servidores valorizados, financiamento para pesquisa, salas de aula e laboratórios equipados e em boas condições de manutenção, estudantes bem alimentados, com moradia adequada e transporte digno.

Não podemos esmorecer agora. A greve unificada dos servidores da educação federal provou ser forte e resiliente, mas precisa se radicalizar, para, coletivamente mobilizados, traçarmos uma risca no chão e dizermos alto e bom som a esse governo e aos que virão: os trabalhadores das IFES não são servidores de segunda categoria, nossos estudantes não serão mão de obra barata a ser gasta pelo mercado e não mais aceitaremos ter de repartir as migalhas que sobram do banquete da classe dominante.

[1] De acordo com a Auditoria Cidadã da Dívida (ACD), os gastos com a dívida pública já consomem 46,3% (quase a metade) do orçamento federal.

[2] O FMI prevê aumento da dívida pública do Brasil para 86,7% do PIB em 2024 e novas altas nos próximos cinco anos.

[3] Disponível em: <bcb.gov.br/publicacoes/focus>. Acesso em: 21 mai. 2024.

[4] Disponível em: <camara.leg.br/noticias/1064815-camara-aprova-texto-base-de-projeto-que-reajusta-salarios-de-varias-categorias-do-servico-publico-acompanhe>. Acesso em: 21 mai. 2024.

[5] Disponível em: <gov.br/gestao/pt-br/assuntos/noticias/2024/maio/tecnicos-administrativos-em-educacao-tem-aumento-medio-de-28-em-4-anos-em-nova-proposta-do-governo>. Acesso em: 21 mai. 2024.

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