É de causar estranheza ver durante as mobilizações pelo 8 de março, em postagens nas mídias sociais, questionamentos sobre o porquê de se dar destaque a figura da Vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), perseguida e assassinada com quatro tiros na cabeça há quase um ano.
Essas pessoas questionam o espaço dado ao caso, alegando se tratar de “comoção seletiva”, já que segundo elas outras mortes violentas recentes não causaram tanta mobilização. No entanto, além da proximidade do dia que marca as lutas femininas (8 de março) do fatídico dia da morte de Marielle (14 de março), temos um contexto de lutas sociais e uma investigação que aponta para um crime político.
Mulher, negra, favelada, lésbica, de esquerda… Marielle fugia do modelo bela, recatada e do lar, ela representava uma ruptura no establishment, nesse modelo de democracia conservadora, feita para a dominação do homem branco, heterossexual, rico, cristão. Ou seja, era tudo o que o fascismo crescente rejeita.
Eleita com 46.502 votos, foi a quinta vereadora mais votada da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, era militante pelos direitos humanos, socióloga com mestrado em Administração Pública.
A vereadora foi executada após participar de um debate na ONG Casa das Pretas, no bairro da Lapa. O carro onde estavam Marielle, o motorista, Anderson Gomes e a assessora, Fernanda Chaves foi perseguido e alvejado por treze tiros de 9mm, quatro atingiram a cabeça da parlamentar e três as costas de Anderson, que morreram na hora. Atingida por estilhaços, a assessora foi levada a um hospital e liberada, já os criminosos fugiram sem levar nada.
Marielle lutava contra as ações violentas nas favelas, era crítica à intervenção militar na segurança pública do Rio de Janeiro e havia assumido, 15 dias antes de sua morte, a relatoria de uma comissão criada na Casa para acompanhar e fiscalizar a intervenção.
Vista como uma ação não só de repressão ao crime, mas principalmente como estratégia política de cerceamento das liberdades democráticas e de repressão aos movimentos sociais, a intervenção parece ter sido uma tentativa do então presidente Michel Temer de aumentar seu poder político e de influenciar nas eleições. Muito embora tenha sido Bolsonaro o maior beneficiado com a agenda da segurança pública, de operações midiáticas, da força bruta e do medo.
O histórico de lutas de Marielle é vasto, em 2008, ainda como assessora do deputado Marcelo Freixo ela trabalhou na CPI das Milícias, que resultou em 226 pessoas indiciadas, entre eles, políticos e militares. Seu posicionamento combativo e altivo, contra a atuação de milicianos e policiais criminosos, reforça suspeitas de que sua morte foi encomendada por algum desses grupos. Em setembro de 2018, o então secretário estadual de Segurança Pública do Rio de Janeiro, general Richard Nunes, disse à Agência Brasil, que há indícios que a execução foi cometida por criminosos experientes que sabiam como dissimular as evidências.
No ano passado, o então ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, anunciou que a Polícia Federal apuraria se agentes do Estado estariam interferindo nas investigações da Polícia Civil. Segundo ele havia indícios de práticas de corrupção, ocultamento e compra de agentes públicos para impedir a descoberta dos mandantes do crime.
Com a proximidade de completar um ano do assassinato de Marielle e do motorista Anderson Pedro Gomes, o caso parece ter ganho o gás de final de temporada alguma série da Netflix. No último domingo (11), em entrevista à TV Globo, a assessora da parlamentar que passou quase um ano escondida na Espanha e Itália, disse querer retomar a vida e por não ter nenhuma informação sobre o crime não pretende mais preservar a identidade. “Não faz sentido eu estar numa sombra… Eu apenas ouvi uma rajada”, afirmou.
Na segunda-feira (12), a repercussão da entrevista aqueceu a imprensa e mídias sociais, e na terça-feira o Brasil acordou com a notícia da prisão do sargento da PM reformado Ronnie Lessa, apontado como o responsável por efetuar os disparos que mataram a parlamentar e seu motorista, e do ex-PM, Elcio Vieira (expulso da corporação), provável motorista do carro usado na perseguição e ataque à parlamentar.
As prisões foram feitas pela Operação Lume, do Ministério Público e a Polícia Civil. Em coletiva a imprensa, ainda na terça-feira, as promotoras Simone Sibílio e Letícia Emile Petriz deixaram claro que as investigações seguem sob sigilo. Uma das linhas da investigação apura o papel na execução do Escritório do Crime, um sofisticado grupo de extermínio ligado a milícias e contraventores. Um dos apontados como integrante do grupo, Adriano Nóbrega, que está foragido desde janeiro. Conforme o El Pais, até o segundo semestre de 2018, Parentes de Nóbrega estavam lotadas no gabinete do hoje senador, Flávio Bolsonaro.
O delegado Giniton Lages, responsável pela investigação da morte de Marielle Franco e Anderson Gomes, também em coletiva, falou sobre um tema levantado nas mídias sociais, o namoro do filho do presidente Bolsonaro com a filha de Ronnie Lessa. Confirmando a relação ele afirmou, “isso não é objeto de investigação neste momento”, porém frisou que pode vir a ser no futuro.
Por dar voz e vez a uma parte da população totalmente esquecida e refém dos crimes praticados por traficantes e milicianos, Marielle Franco incomodava. Sua bandeira era ocupar a política para reduzir as desigualdades que nos cercam. É por isso que falamos e exigimos a apuração dos fatos que permeiam o seu assassinato e de seu motorista Anderson Gomes. Pela sua representatividade na luta social, no debate sobre feminismo, gênero, racismo e na luta pela manutenção da democracia.