São, exatamente, vinte e três horas e vinte e um minutos no momento em que sento e pouso os meus dedos sobre o teclado para começar esses versos soltos e livres. Uma inquietude se apoderou do meu coração esses dias, mas hoje, dia 09 de julho, longe do esplendor da avenida paulista, ele atingiu o ápice e precisei escrever.

Se estamos em uma democracia, constitucionalista, garantista e vanguardista, devo confessar que terei pesadelos com os “anos de chumbo” esta noite e rezarei, todos os dias, agradecendo a Deus por não ter nascido naquela época. Mas hoje eu tenho medo do Estado em que nós vivemos.

Apresento-me: sou técnica-administrativa em educação. E estou de greve. Para a ocasião, isso basta. O meu contexto histórico é: praticamente todas instituições federais (não afirmo todas por desconhecimento), entre Universidades e Institutos Federais, além de alguns Ministérios diretamente ligados à Administração central, estão parados, em greve, há mais de um mês. Só isso seria o suficiente para mostrar que há algo de errado e que essas pessoas não estão ligadas entre si ou à luta por um mero capricho ou simples vontade de aumento salarial. Sempre fiz greve por acreditar que há um plus nos movimentos, um benefício reflexo para toda a sociedade que, obviamente, devem superar os malefícios que esta, injustamente e involuntariamente, sofrem durante a paralisação obreira. Creio que posso falar por mim e por grande parte dos servidores da categoria. Claro que sempre há aqueles com interesses escusos ou que se juntam ao movimento paredista não para somar, mas não é a vontade da massiva parte. Ninguém gosta de fazer greve. Ninguém gosta de se expor, de ir pra frente quando se sabe que nem todos irão ajudar e de sofrer o risco de retaliações. E, numa época em que a Globo e os grandes meios de comunicação insuflam a sociedade contra os movimentos sociais e a faz acreditar que isso é ruim, ninguém quer ser tachado de “vagabundo”, adjetivo correntemente associado ao substantivo “greve”, “grevista”, “sindicalista”.

E cá estava eu, insone, intranquila, lembrando as aulas do meu saudoso professor de Direito Coletivo do Trabalho, Miquéias Antas Gouveia, na parte sobre Direito de Greve e a Lei 7783/89. Ao lecionar para a turma que os trabalhadores poderiam ter a sua remuneração cortada, logo inquiri, dizendo “mas professor, se tirarem o salário do trabalhador, é claro que ele vai voltar a trabalhar, pois ele depende da sua remuneração para se sustentar. Se tirarem o salário do trabalhador, ele perde a sua força resistiva, terá que se submeter aos desmandos do patrão e, desse modo, o instituto da greve resta vazio”, pelo quê recebi como resposta ”concordo, mas o direito nem sempre é justo. Essa é que é a verdade”. Sábias palavras. Hoje, eu as sinto na pele, pois foi autorizado pelo Governo o corte da remuneração dos servidores públicos federais grevistas. O mesmo Governo que há quase 24 anos tem a obrigação jurídica de editar uma lei de greve para os servidores públicos, e não o faz por puro desinteresse. Não quero entrar no mérito sobre ser um governo de (pseudo) esquerda, pois foi-se o tempo em que o Estado era personificado. Também não vou falar do passado heroico dos nossos atuais representantes, o qual, sinceramente, não gostaria de ter vivido. Peço apenas licença para expor a situação atual da minha categoria e mostrar o porquê da minha indignação ao viver no nosso hodierno Estado Democrático de Direito.

Em 2007, houve uma grande greve dos técnicos-administrativos e dela resultou enormes avanços, como a construção de um Plano de Carreira e a realização de concursos públicos para a renovação dos quadros. Acredito que ganhou tanto a categoria como a população, pois há uma mudança inegável da postura do servidor público frente ao serviço, do perfil de pessoa que ocupa esses cargos. Se antes éramos vistos como pessoas negligentes, descuidadas, ignorantes e que conseguiam acesso ao serviço público por meio de indicações, hoje somos pessoas animadas, comprometidas com o trabalho, críticas e letradas, aprovadas por exigentes certames, dispostas a perseguir a finalidade do interesse público e coibir os descalabros que se veem nas repartições: acabar com favoritismos, representar contra ilegalidades, fiscalizar os atos administrativos. Sermos, enfim, vigilantes e cumprir com o nosso papel. Porém, qual seria a nossa vontade em fazer tudo isso ao saber que somos uma categoria esquecida pela comunidade, desrespeitada pelos superiores e ostracizada pelo Governo? Porquanto sempre escutaremos as alcunhas maldosas das bocas do povo, as ameaças iminentes dos nossos Chefes e, e este é o ponto principal (mas, percebam, não é o único), a marginalização pelo Governo.

Ocorre que esse é o segundo ano consecutivo onde a categoria paralisa e o Governo, nessas duas paralisações, sequer recebeu o Comando Nacional de Greve para uma reunião e não apresentou propostas sólidas para os reclamos nossos. Nem ao menos tivemos a dignidade de sentar ao lado do Sr. Durvanier Paiva, no passado, e, hoje, ao do Sr. Sérgio Mendonça para negociar. Ao contrário do que é mostrado na mídia, o Governo nunca esteve aberto à comunicação. Foi assim no passado, está sendo agora. A diferença reside no fato da força do movimento: se em 2011 ele foi fraco, em 2012 ele está amadurecido e os técnicos, menos assustados, se encorajam mais a entrar nas suas fileiras. Por uma questão de coragem, sim, mas, também, de discernimento quanto à atual situação da categoria, que, ao menos, merece uma resposta, mesmo negativa, porém direta e registrada, do Governo, e eu não me refiro à retaliação. Muito me entristece perceber a indisposição governista a, pelo menos, comunicar-se decentemente, partindo logo para as represálias econômicas.

A minha indignação nesta noite não é pelo meu salário, que pode crescer ou ficar congelado por mais alguns anos, mas, sim, pelo corte da comunicação, pela falta de bom senso na relação Governo-categoria, pela desrespeito com que somos constantemente tratados e pela desproporcionalidade da medida governamental de interromper o pagamento dos vencimentos. Me pego a perguntar como vivemos rodeados de leis formalmente/materialmente perfeitas, num Estado em plena expansão econômica e social, que se auto intitula “democrático de direito”, que jura defender o povo, tem como fundamentos os valores do trabalho e da livre iniciativa e traz, de maneira inédita, os direitos sociais no corpo da Constituição, enfim, como vivemos sob esse manto valorativo, permeados por esses dispositivos de alta carga axiológica e não tivemos direito à uma negociação digna, de homens para homens? Para quê escrever tudo, positivar tudo, adotar a tradição Romano-Germânica do direito, achar que haverá segurança jurídica e respeito aos ditames se, de fato, não há? Como se resignar ao ver várias classes de trabalhadores com os salários defasados pela inflação, a exemplo dos bancários que todos os anos fazem greve, enquanto a cúpula dos Poderes de Estado recebem, na surdina, ao apagar das luzes ânuas, vultuosos aumentos e terem esses verdadeiros furtos protegidos sob a cláusula da irredutibilidade de subsídio? (aliás, subsídio pra quê mesmo, hein?)

Esse é o Estado em que as reformas tributárias não ocorrem, em que se ajuízam ações para tentar impedir a vigência e o vigor de uma lei cujo objetivo é dar transparência à população do salário dos agentes públicos (seria vergonha?). É um Estado onde um Deputado (ou Senador, não sei, é alguém que não merece o meu respeito) diz sentir pena de quem vive com 19 mil reais. Um Estado cuja base trabalhadora não recebe atenção e, quando tenta fazer algo para obtê-la, por meios legítimos e legais, recebe como resposta a retirada do seu ganho econômico. É aqui onde as greves são fortemente entravadas, ou sendo judicializadas e declaradas ilegais ou terminando por falta de condições dos trabalhadores se manter no movimento paredista sem prejudicar a si próprios, seus familiares e seus bens.

A área pública é (ou devia ser) um ambiente muito nobre e bastante prolífico para quem quer trabalhar pelo país e fazê-lo crescer. Quem entra nela com certeza não visa ao lucro, aos grandes encômios, às sinecuras, pois isso é próprio da iniciativa privada. O servidor público, o técnico-administrativo em educação, se compromete, precipuamente, com o bem público. Mas com a desvalorização do nosso lavor, é complicado se comprometer. É duro trabalhar com afinco e pensar que, quando procurarmos melhores condições de trabalho, o governo irá nos receber com medidas desmesuradas. É duro sustentar, com o nosso imposto descontado em folha aquela corja de vagabundos (eles sim), que tem direito de faltar a um terço das sessões deliberativas das respectivas Casas, que reúnem os dirigentes do governo nos seus palacetes em finais de semana, enquanto o baixo escalão, nós, perdemos o cargo se faltarmos a 30 dias de trabalho e protocolamos vários ofícios para receber o vazio como resposta.

Direito de greve?? Com o perdão do pleonasmo, é vazio e vão.

Este ainda não é um país sério. “Eu tenho medo”. Qualquer referência, é mera coincidência.

Natal, 10 de julho de 2012.

Louisy Rodrigues – Técnica-administrativa do CCHLA

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